1 de outubro de 2011

Edgar Allan Poe e o Cinema Gótico

Os chamados schauerfilme ("filmes horripilantes") tiveram origem na Alemanha e foram rodados entre a humilhação do país diante da derrota da Primeira Guerra Mundial e a ascensão do poder nazista na década de 30. A abordagem do schauerfilme, emprestada do teatro e da literatura, foi a mesma do expressionismo, na qual o clima e o psicológico eram mais importantes do que o realismo. O maior retrato expressionista é o conhecido O Gabinete do Dr. Caligari, lançado em 1919. Trata-se da "visão do mundo de um louco" e conta a história de um sinistro hipnotizador (Caligari), que exibe em sua cidade um sonâmbulo (Cesare), anunciado como capaz de prever o futuro. O homem "prevê" a morte de um dos espectadores, um estudante. Caligari força a realização da profecia, conduzindo o sonâmbulo para assassinar o estudante. Carl Mayer, co-autor do filme, diz: "Caligari representa os líderes insanos que enviam as massas submissas (retratadas pelo sonâmbulo) para matar e morrer na guerra".
Porém, antes mesmo deste clássico, o escritor Edgar Allan Poe já influenciava o cinema americano com seus poemas um tanto quanto darks. A primeira tentativa de se fazer um cinema denominado gótico é de D. W. Griffith (The Avenging Conscience, 1914). O filme utilizava o argumento de The Tell – Tale Heart, um conto clássico de Poe, que fala sobre a culpa de um anti-herói envolvido num grande esquema de assassinato.
Edgar Allan Poe nasceu em 19 de janeiro de 1809. Filho de dois atores itinerantes, viveu trágicos momentos, pois seu pai, David Poe, o abandonou ainda cedo, e sua mãe, Elizabeth, morreu em sua presença antes dele completar seus 3 anos de idade. Talvez por isso ele encarasse a vida como uma performance, qualquer pequena crise era motivo para grandes melodramas. Poe levou a literatura gótica ao universo psicológico. O sinistro de seus contos girava muito mais em torno de desequilíbrios mentais do que em forças sobrenaturais. Contos de horror com sátiras inteligentes, um clima estranho e uma sensação de não saber ao certo se "é pra rir ou pra chorar". E o escritor Poe levou seu universo gótico às telas de cinema também.
Os assassinos da Rua Morgue, de 1932, conta a história de um cientista sádico, interpretado por Bella Lugosi, ator austríaco também conhecido pela caracterização do famoso personagem Drácula. Mas o filme deve mais a O Gabinete do Dr. Caligari do que ao conto de Poe. Dois anos depois, em 1934, outra tentativa de adaptação de uma obra de Poe, O gato preto, menos semelhante que Os assassinos da rua Morge porém um clássico cult dirigido por Edgar G. Ulmer.
É em 1960, com a união dos atores Vicent Price e Roger Corman, que as obras de Edgar Allan Poe se tornam filmes ícones do cinema gótico. Price e Corman refilmam A queda da casa de Usher, produzido na França, em 1928, pelo polonês Jean Epstein. Lorde Roderick Usher vive preocupado com a saúde da esposa, ela morre e é enterrada, mas ele acredita que ela apenas permanece adormecida e, a partir daí, fatos estranhos acontecem em volta da casa.
A parceria dos dois deu tão certo que Roger Corman resolve produzir o terror de Allan Poe em 7 filmes conhecidos como "Ciclo Poe". Em 1960 filmam O Solar Maldito; em 1961, A Mansão do Terror – adaptação de O Poço e o Pêndulo; em 1962, Muralhas do Terror – inspirado em 3 contos de Poe (Morela, O Gato Preto e O Caso do Sr. Valdemar); em 1963, O Castelo Assombrado; em 1964, Orgia da Morte, dito seu melhor filme. E também em 64 é rodado O Túmulo do Sinistro, baseado no conto Ligéia. Mesmo dirigindo quase sem dinheiro e subestimado por grande parte da crítica da época, Corman persistiu. Especialista em filmagens de baixo custo, reaproveitava cenários de um filme para o outro e os produzia em uma semana. O diretor dirigiu 43 filmes nos primeiros 10 anos de carreira e produziu mais de 3 centenas desde 1955. E, mesmo custando uma ninharia, faziam tanto sucesso nos drive-ins dos anos 50, que produziam o milagre da multiplicação. Ele continua trabalhando até hoje (já cheio da grana...)
Mas as influências de Edgar Allan Poe não morreram nos anos 60.
"Quando era jovem, eu tinha duas janelas no meu quarto, janelas ótimas, que davam para o gramado e, por alguma razão, meus pais cobriram as janelas com tijolos e me deram uma janelinha que não passava de uma fenda na parede, e eu precisava subir na escrivaninha para ver o que havia lá fora (...) Naquela época, não perguntei por que eles fizeram aquilo. Então, comparei essa experiência com um conto de Poe em que uma pessoa era emparedada, enterrada viva, para poder falar a respeito dessa época."
O nome do garotinho que disse tal frase é Timothy William Burton, mais conhecido como Tim Burton. O famoso diretor de Edward Mãos de Tesoura começou sua carreira com um curta-metragem de animação em stop motion chamado Vincent. O curta, de 6 minutos, é uma autobiografia de Burton e, de forma muito interessante, repete citações dos filmes de horror estrelados por Price (que narra a animação), assim como passagens de contos e poemas originais de Allan Poe. O filme combina também um visual de O Gabinete de Dr. Caligari com versos anárquicos de Dr. Seuss em O Gatola da Cartola.
E Poe continua a influenciar o cinema de horror e a cultura gótica. Um exemplo é a animação não muito conhecida, Lenore. A personagem já existia no mundo dos quadrinhos há um bom tempo, mas, com o advento da internet, tornou-se interessante transformá-la em um ser animado. O nome de seu criador é Roman Dirge, e a menininha que esbanja um grande humor negro é personagem famosa de um conto de Poe, O Corvo. A linda menininha de cabelos loiros que adora brincar com bonecas e animaizinhos parece ser uma garota comum, com uma "pequena" diferença: ela é uma morta-viva.
Assim, podemos perceber como Poe influenciou várias gerações não só de importantes autores literários, mas também de tantos diretores e produtores de cinema de horror e gótico.

Extraído de www.negativoonline.com

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