22 de outubro de 2011

A Música Medieval

Poucas vezes o Homem teve a sua existência tão marcada pela espiritualidade quanto na Idade Média, e poucas vezes foi tão feliz ao tentar imprimir na arte os sinais do invisível. Para os historiadores, não é tarefa fácil tentar determinar o período de início e fim da Idade Média, mas as propostas mais aceitas situam essa era da História entre a queda da Civilização Romana no século V, e o século XV, do Renascimento Humanista. Se aceitarmos essa hipótese, poderíamos dizer que a música medieval, em tese, acompanha essa cronologia e que foi produzida por praticamente mil anos. Assim, ela nasceria com as primeiras manifestações artísticas de uma nova cultura, fundamentada na síntese das sociedades romana e germânica, ambas articuladas pela Igreja.


A crise dessa sociedade marcaria também o declínio da música medieval. Comparável aos documentos históricos medievais em geral, o corpo de peças musicais do período aumenta à medida que se aproxima o seu fim. Tal fato relaciona-se principalmente ao desenvolvimento dos sistemas de notação musical (portanto é uma questão de registro, não devendo se confundir com um retrato da intensidade da prática musical vigente).

O surgimento e desenvolvimento da polifonia escrita e das primeiras notações musicais no Ocidente deram-se na Idade Média. Freqüentemente, o caráter litúrgico ou paralitúrgico e festivo ligam a música aos ritos religiosos (a exemplo do cantochão e do calendário gregoriano), ou àqueles de reminiscência pagã (como as festas da chegada da Primavera).

É também nessa era que o amor profano se expressa em todo seu refinamento na arte dos trovadores e que a monofonia atinge a maturidade no Ocidente.
O período da música medieval é marcado pela estrutura modal praticada nas himnodias e salmodias, no canto gregoriano, nos organuns polifônicos, nas composições polifônicas da Escola de Notre-Dame, na Ars Antiqua e Ars Nova e ainda na música dos trovadores e troveiros.

Música Modal

A música modal se caracteriza pela importância dada às combinações entre as notas e a seus resultados sonoros particulares. De acordo com a função e o texto cantado, o compositor usa um modo escalar diferente. O fundamento da música modal é a composição melódica, seja em uma monodia (uma só melodia) ou em uma polifonia (mais de uma melodia, simultâneas).

Himnodias e Salmodias

A música erudita no ocidente começa com a proliferação das comunidades cristãs, entre os séculos I e VI. Suas fontes são a música judaica (os Salmos) e a música helênica sobrevivente na antiga Roma. As principais formas musicais são as salmodias, cantos de Salmos ou parte de Salmos da Bíblia, e himnodias, cantos realizados sobre textos novos, cantados numa única linha melódica, sem acompanhamento. A música não dispõe, então, de uma notação precisa. São utilizados signos fonéticos acompanhados de neumas, que indicam a movimentação melódica.

Monodia Gregoriana

A rápida expansão do cristianismo exige um maior rigor do Vaticano, que unifica a prática litúrgica romana no século VI. O papa Gregório I (São Gregório, o Magno) institucionaliza o canto gregoriano, que se torna modelo para a Europa católica. A notação musical sofre transformações, e os neumas são substituídos pelo sistema de notação com linhas. O mais conhecido é o de Guido d'Arezzo (995? 1050?). No século XI, ele designa as notas musicais como são conhecidas atualmente: ut (mais tarde chamada ), ré, mi, fá, sol, lá, si.

Música polifônica

Os sistemas de notação impulsionam a música polifônica, já em prática na época como a música enchiriades, descrita em tratado musical do século IX, que introduz o canto paralelo em quintas (dó-sol), quartas (dó-fá) e oitavas (dó-dó). É designado organum paralelo e no século XII cede espaço ao organum polifônico, no qual as vozes não são mais paralelas e sim independentes umas das outras.

Escola de Notre-Dame

A prática polifônica dá um salto com a música desenvolvida por compositores que atuam junto à Catedral de Notre-Dame. Eles dispõem de uma notação musical evoluída, em que não só as notas vêm grafadas, mas também os ritmos a duração em que cada nota deve soar. Mestre Leonin e Perotin, o Grande, são os dois principais compositores dessa escola, entre 1180 e 1230. Ambos, em seu modo de composição rítmica, além da elaboração de vozes novas sobre organuns dados, se abrem para composições autônomas. Abandonam o fluxo rítmico do texto religioso, obedecido no canto gregoriano, em troca de divisões racionais, criando a base para escolas futuras.

Ars Antiqua

Desenvolve-se entre 1240 e 1325, e suas formas musicais perduram até o fim da Idade Média: o conductus, o moteto, o hoqueto e o rondeau. O moteto é composto a partir de textos gregorianos que recebem um segundo texto, independente e silábico, cada vogal corresponde a uma nota, seja esta repetição ou não da antecedente. Essa necessidade de cantar cada vogal num novo som impulsiona a notação rítmica. Os motetos que mais se destacam são realizados com textos profanos sobre organuns católicos.

Ars Nova

De 1320 a 1380 impera a Ars Nova, denominação de um tratado musical do compositor Philippe de Vitry. O organum e o conductos desaparecem, e o moteto trata de amor, política e questões sociais. Variados recursos técnicos são utilizados para dar uniformidade às diversas vozes da polifonia: as linhas melódicas são comprimidas ou ampliadas e muitas vezes sofrem um processo de inversão (sendo lidas de trás para diante).
Guillaume de Machaut é o grande mestre desse período. Utiliza, com precisão, recursos como os baixos contínuos e a isoritmia – relação de proporcionalidade entre todas as linhas melódicas da polifonia, possibilitando que as vozes se desenvolvam sobre uma única base rítmica.

Música Profana

A atividade de compositores profanos, como os minnesangers e os meistersangers germânicos e os trovadores e troveiros franceses, é intensa entre os séculos XII e XIII. Os trovadores da Provença, ao sul da França, e os troveiros, ao norte, exercem forte influência na música e poesia medievais da Europa. Suas músicas de cunho popular, em dialetos franceses, enfatizavam aforismos políticos (como no compositor-poeta Marcabru), canções de amor (Arnaud Daniel, Jofre Rudel e Bernard de Ventadour), albas, canções de cruzadas, lamentações, duelos poético-musicais e baladas. As bases para suas melodias são os modos gregorianos, porém de ritmo marcado e dançante, com traços da música de origem moçárabe do mediterrâneo.
Adam de la Halle (1237-1287) troveiro francês, menestrel da corte de Roberto II de Arras, a quem acompanha em viagens a Nápoles. Trata seus poemas em composições musicais polifônicas, como os 16 rondós a três vozes e 18 jeu partis (jogos repartidos), em que se destacam o Jogo de Robin e Marion e o Jogo da folha, que podem ser classificados como as primeiras operetas francesas.
Instrumentos da Idade Média

Flauta Reta

As flautas retas englobam as flautas doces (flauta de oito furos, um deles na parte posterior destinado ao polegar) e as flautas de seis furos com agudos feitos através de harmônicos, já que não possuem o furo posterior. É classificado na Idade Média como instrumento de som suave, baixo, diferenciado-se dos instrumentos altos, como as bombardas.

Flauta Transversal

Presente em Bizâncio pelo menos desde o século XI, é pela primeira vez representada no manuscrito d’Herrade de Landsberg. Os estudiosos dos instrumentos do período estão de acordo em afirmar que a flauta transversal, bem como as flautas retas, tinham formato cilíndrico

Cornamusa

Instrumento de sopro que consiste de um chalumeau melódico dotado de palheta dupla e inserido em um reservatório de pele hermético (odre ou saco). O ar entra no odre através de um tubo superior, com uma válvula para impedir o seu retorno. Na Idade Média este instrumento podia ou não ter um bordão

Viela de Arco

Os instrumentos de cordas friccionadas da Idade Média, chamados Vièle, Fiddle, Giga e Lira, começaram a ser utilizados no século X, quando o arco surge na Europa (introduzido provavelmente pelos árabes). A Viela de arco pode ter formas bastante diversas e apresenta normalmente de três a cinco cordas. Pode ser tocada apoiada no ombro ou no joelho.

Viela de Roda ou Symphonia

É uma espécie de Viela em que o arco é substituído por uma roda, que fricciona as cordas sob a ação de uma manivela. As cordas são encurtadas não diretamente pelos dedos, mas através de um teclado.

Alaúde

O Alaúde, na forma que a Renascença tornou famosa, só foi introduzido na Europa no século XII, pelos mouros, com seu nome árabe (Al’ud, que se tornou Laud na Espanha, depois Luth na França). No fim do século XIV, adquiriu aspecto característico com caixa piriforme composta de lados de sicônomoro e o cravelhal recurvado para trás.

Harpa

As harpas são reconhecidas por sua forma aproximadamente triangular e pelas cordas de comprimentos desiguais estendidas num plano perpendicular ao corpo sonoro. As cordas são presas por cravelhas, que podem variar de sete a vinte e cinco. A pequena Harpa portátil veio sem dúvida da Irlanda, com a chegada dos monges irlandeses (a Harpa é o emblema heráldico deste país).

Percussão

Antes do século XII, praticamente não existiam, a exceção dos jogos de sinos (Cymbala) empregados nos mosteiros. Só nos séculos XII e XIII aparecem na Europa provenientes provavelmente do Oriente, os tambores de dois couros, o pequeno tambor em armação, que por vezes era dotado de soalhas (pandeiro), címbalos de dedos, etc.

Flauta e Tambor

Flauta de três furos tocada com uma das mãos enquanto a outra toca o tambor que é sustentado no ombro ou debaixo do braço pelo mesmo executante. Animava todas as danças e festividades e o seu auge foi entre os séculos XV e XVI. Este instrumento é até hoje presente em algumas tradições no sul da França e no País Basco. Taborin é o nome dado ao executante.

Flauta Dupla

Os instrumentos de sopro duplos são conhecidos desde a Antiguidade. A flauta dupla foi um instrumento bastante utilizado e desapareceria somente no século XVI.

Rabeca

Instrumento de cordas friccionadas com caixa monóxila, isto é, escavada em uma só peça de madeira. As formas variavam entre as ovais, elípticas ou retangulares. De proporções menores do que a viela de arco tem um som agudo e penetrante.

Saltério

Aparece no século XII numa escultura da catedral de Santiago de Compostela. Neste instrumento as cordas são estendidas em todo o seu comprimento acima da caixa de ressonância, ao contrário do princípio da harpa. É tocado pinçando-se as cordas com os dedos ou com plectro.

Organetto ou Portativo

Bizâncio foi o primeiro centro de construção de órgãos da Idade Média. O Organetto é o antecessor da Gaita de Fole escocesa. Também chamado de Portativo, porque podia ser carregado pelo executante.
Bibliografia:
  • Kiefer, Bruno - História e significado das formas musicais. Porto Alegre: Movimento, (1970).
  • Carpeaux, Otto Maria - Uma nova História da música. Rio de Janeiro: Alhambra, 1977.
  • Mundy, Simon - História da música. Lisboa: Ed. 70, 1980.
  • Jeremy Montagu - The World of Medieval & Renaissance Musical Instruments / The Overlokk Press – 1980.
  • Dicionário GROVE de Música – Editado por Stanley Sadie – Jorge Zahar Editor – 1994.
  • Roland de Candé - História Universal da Música – Martins Fontes – São Paulo – 1994.
  • Catherine Homo-Lechner - Sons et Instruments de Musique au Moyen Âge – Éditions Errance – 1996.
http://www.spectrumgothic.com.br/musica/medieval.htm

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