23 de março de 2012

A morte, os presságios e a ressurreição

Conheça aqui os eventos dramáticos da Via Crucis e os acontecimentos
inexplicáveis e extraordinários que ocorreram logo
 após a morte de Jesus.


A cruz

Ela não era alta e imponente como imaginaram os pintores renascentistas e os cineastas americanos. Era baixa, acanhada, quase insignificante em sua crueldade. Fabricada a partir de uma árvore de pequeno porte, a oliveira palestinense, a cruz não excedia a altura de um homem. Para acomodar-se nela, a vítima devia ser pregada com os joelhos dobrados. Havia três categorias de cruzes. A mais simples não ia além da própria árvore, com os galhos aparados. A intermediária utilizava o tronco ainda enraizado da oliveira, ao qual se amarrava com cordas uma barra horizontal, conduzida ao local de execução pelo próprio condenado. A mais sofisticada consistia num poste rústico, feito a partir do tronco e permanentemente fixado no chão; nele, a barra era encaixada por meio de uma fenda. Nos três casos, um pequeno suporte horizontal permitia à vitima sentar-se, impedindo que seus pulsos rompessem devido à ação do peso e prolongando-lhe a agonia.


Os ferimentos

Apesar de Jesus não ter carregado a cruz inteira, como supôs a piedosa imaginação popular, a barra horizontal era suficientemente pesada para lhe ter provocado grandes hematomas nas costas. Ao menos, é o que se depreende da dramática imagem do Santo Sudário. Ainda mais impressionantes são os sinais de 90 a 120 ferimentos, causados pelo açoite. E 72 perfurações na cabeça, produzidas pela coroa de espinhos. Os pregos, de cerca de 18 centímetros, não lhe foram afixados nos meios das mãos, como se acreditou durante muito tempo. Mas numa parte do pulso conhecida pelos anatomistas como espaço de Destot, entre os ossos rádio e una. Se o traspassamento tivesse ocorrido nas mãos, estas teriam rasgado com o peso do corpo. No espaço de Destot, a introdução dos pregos assegurava uma firme sustentação na cruz. Um terceiro prego, juntando os dois pés, completava a fixação.


Morte por asfixia

Na cruz, os braços altos dificultavam a respiração do condenado; os líquidos se acumulavam nos pulmões; e a morte sobrevinha por asfixia. Para tomar fôlego durante a longa agonia, as vítimas erguiam-se várias vezes de seus assentos, sustentando-se nos três pregos. Por isso, após várias horas de suplício, suas pernas eram quebradas, de modo a acelerar a morte. A análise do Sudário mostra que esse procedimento de rotina não ocorreu no caso do homem cuja imagem ficou gravada no tecido - o que concorda com a narrativa dos evangelhos, segundo a qual não foi quebrado nenhum dos ossos de Jesus.
A estocada de lança, um golpe de misericórdia, perfurou o peito do homem quando ele já se encontrava morto. Um forte jato de hemácias (a parte vermelha do sangue) seguido de um fluxo de plasma (a parte clara) prova que grande quantidade de sangue se acumulara e decantara no pericárdio. E essa informação outra vez converge com o texto bíblico, que fala "num jorro de sangue e água".


Presságios e acontecimentos extraordinários

Era comum os crucificados sobreviverem por até três dias. Talvez devido às terríveis torturas que sofreu na casa de Caifás e entre os soldados romanos, Jesus morreu em apenas seis horas.
Os evangelhos narram diversos acontecimentos, que teriam pontuado essas horas dramáticas. A narrativa mais detalhada, a de Mateus, diz que "desde a hora sexta até a hora nona, isto é, do meio dia as três da tarde, houve treva em toda a terra".
Quando Jesus exalou o último suspiro, o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo, a terra tremeu e as rochas se fenderam. Se as trevas mencionadas pelo evangelista corresponderem a um eclipse, a morte de Jesus deve ter ocorrido no ano 30 d.C., quando se deu um evento dessa natureza. Considerando que Jesus nasceu entre os anos 8 e 6 a.C., ele deve ter vivido então de 36 a 38 anos, e não 33 conforme fixou a antiga tradição cristã.


A ressurreição

Para os discípulos e outros que acreditaram nele, a morte de Jesus deve ter sido um golpe demolidor. Surpresos com a rapidez dos acontecimentos, aturdidos com um desfecho que contrariava suas expectativas, amedrontados com o possível alargamento da repressão, eles certamente sentiram o chão ceder debaixo dos pés. Que perplexidade, que angústia, que desalento! No entanto, toda a sua perspectiva se refez com a notícia da ressurreição. Manipulação? Metáfora? Milagre? Como interpretar esse derradeiro mistério?


O sepulcro vazio


Segundo o teólogo Leonardo Boff, a análise crítica dos evangelhos sugere que se constituíram inicialmente dois relatos independentes acerca da ressurreição: o do sepulcro vazio, visto pelas mulheres que foram visitá-lo na manhã do terceiro dia após a morte; e o da aparição do mestre ressuscitado aos discípulos.


O Mestre em carne e osso

Mais tarde esses dois retalhos da tradição oral foram costurados na composição dos evangelhos. A narrativa resultante é muito sumária em Marcos e Mateus e bem mais extensa e inspiradora em Lucas e João. O texto dos Atos dos Apóstolos, uma obra também atribuída ao evangelista Lucas, fixa em 40 dias o tempo de permanência de Jesus ressuscitado na Terra. O evangelho gnóstico Pistis Sophia prolonga a estadia para 11 meses e apresenta os ensinamentos esotéricos supostamente comunicados durante esse período. Os canônicos afirmam que os discípulos não reconhe-ceram Jesus num primeiro momento. E o fazem aparecer e desaparecer de cena misteriosamente. Certas correntes do cristianismo primitivo interpretaram esses dados como indícios de que o mestre voltara à Terra num corpo sutil. No entanto, em Lucas, o próprio Jesus insiste na materialidade de seu corpo: "Vede minhas mãos e meus pés: Sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho".


A ressurreição à luz das religiões orientais

O mistério da ressurreição certamente escapa à capacidade interpretativa da ciência atual. Mas a idéia da transmutação do corpo físico e da conquista da imortalidade não é estranha à antigas tradições espirituais como o shivaísmo indiano e o taoísmo chinês. Embora extrema-mente rara - dizem - essa possibilidade estaria no horizonte de todo ser humano. E teria sido alcançada pelos siddhas (perfeitos): homens e mulheres que, pela devoção integral a Deus, pelo exercício sistemático da auto-observação e pela prática intensiva das diversas disciplinas da yoga, supostamente atingiram um estágio supremo de desenvolvimento, realizando a essência divina em todos os planos da existência. Essa hipótese permite-nos enxergar Jesus por mais um ângulo. E acrescenta uma nova configuração a sua imagem caleidoscópica.

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