17 de março de 2012

Por que Contar? Por que não contar? Saindo do Caixão (ou não...)

[originalmente publicado em www.tribosdegaia.org]

Lord A:. & Inspirações dos leitores da Rede Vampyrica


Nas relações sociais, sejam elas entre Vampyricos e Vampyricas, Vamps e Simpatizantes, Vamps e outras pessoas (que não sabem de sua escolha-de-vida) e ainda até mesmo perante antagonistas - um dos elementos mais valorizados é o "saber-se-expressar" ou "saber-articular-as-próprias-idéias" - e principalmente sustentá-las coerentemente, quando se fizer nescessário.

Não precisamos de "dramas" e nem de atos "dramaticamente exagerados" para fazer isso. Basta conversar e sustentar a conversa - supondo que você queira ou que realmente valha a pena conduzí-la ou ainda que a terceira pessoa, seja uma pessoa interessada no assunto. Do contrário, ao invés de ficar explicando o que você vem a ser ou com o que simpatiza, é melhor cortar o assunto ou passar o site www.vampyrismo.org para a pessoa.

Enquanto Subcultura Vampyrica, somos um agrupamento quantitativamente pequeno, quando comparados a outros que já estão estabelecidos no Brasil há mais de dez ou vinte anos - sejam eles Subculturas ou Cosmovisões. O fato de ainda "vir-a-ser" algo novo e pequeno, é muito proveitoso e o que virá a ser nas próximas décadas dependerá inteiramente do que fazermos, elaborarmos, sustentarmos e bancarmos neste momento sob muitos aspectos relevantes.

Um pouco de prosa e Lestat:

Todos nós gostamos do Vampiro Lestat, mas nem todos leram o romance de Anne Rice: O Vampiro Lestat. Lá temos uma personagem interessantíssima que nunca foi transposta para as tela que é a Gabrielle - quem conhece a obra, sabe de quem estou falando - quem ainda não leu, bem, temos o site e lá você pode encontrar o livro por um valor bem acessível;

Mas vamos a questão principal, sabemos que Lestat (na ficção) sempre foi deliciosamente audaz e um tanto dramático - amamos estas características dele e sim, muitos Vampyricos e Vampyricas encontram lá alguma inspiração metafórica neste jeito dele. Entretanto, é Gabrielle quem lhe abre a visão, enquanto ele ainda era humano e vivia em um castelo distante de tudo e de todos. Bom, neste texto - amplamente inspirado nesta personagem e sua participação na vida do personagem do romance - apenas lhe digo que: Você não precisa deixar uma situação ou pensar que pode resolver uma situação com terceiros de forma dramática.

E com um pouco de "sangue-frio" e inspiração, pode muito bem se expressar sem "dramas" ou "exageros" - com seus próprios argumentos e conteúdos vivenciados por você - para quando não quer se ver obrigado a fazer algo com que não concorda ou não quer fazer.

Exato! Por que precisa contar?
Precisa e também não precisa.


Primeiro descobrir, reconhecer, aceitar e então obter algum dominio e amor por sí, antes de exteriorizar ou revelar:
Se ao fazer tudo isso a pessoa ainda conseguir respeitar que a liberdade dos outros começa onde termina a dela - fica perfeito! Saber quem é e o que carrega e escolher o que vai fazer com o que fizeram de tí é uma trilha mapeável e que quando parecer muito estranha, permite recuar até o ponto anterior mais conhecido e escolher oura via.

"Vir-a-Ser"é questão de fóro íntimo. Pertence a você e diz respeito apenas e tão somente a você. Você não precisa justificar-se e tampouco precisa expor"publicamente" seu vínculo com o que lhe confere sentido, pertencimento e até mesmo "colo" nas piores horas. Nem todo mundo tem estômago para expor-se, embora seja necessário para questões de desenvolvimento e manutenção de direitos conquistados - dentre inúmeros outros fatores.

Uma mecânica perigosa que eu percebo é que tem muita gente "descontente" com a religião e o monoteísmo dominante - que simplesmente não quer ser obrigada a frequentar suas igrejas e salões por não curtir os meios e as formas do que é exposto nestes lugares. Algo totalmente natural e pessoal.

Daí, algumas destas pessoas descontentes costumam "gritar" ou aderirem a medidas de "choque/shock" e se apresentarem com símbolos de opositores daquela religião monoteísta variados - simplesmente porque não querem mais ser obrigadas a irem em tais lugares de culto dele; Porém se identificar com o antagonista do próprio sistema ao qual se opõem é continuarem dentro deste sistema. Isso é bem simples de entender.

Não adianta inventar ou seguir arvores da vida do mal, inventar diabos ou denominar-se com nomes inventados pela inquisição no século XV ou anteriores - para chocar outros adeptos de uma religião monoteísta.(até mesmo porque a maior parte dos ditos símbolos do "mal" não passam de descaraterizações e distorções, usadas de forma adjetiva por muita gente que nunca dedicou, algum tempo para o estudo de história da arte e da arte de civilizações ancestrais)

Tanto o monoteísmo do "bem" que focaliza um deus bonzinho como criador e administrador de tudo, tanto o monoteísmo do "Mal" que coloca o adversário do deus bonzinho como criador e administrador de tudo - continuam a tirarem toda criação do nada e insistirem na separação do Divino(Criador) do Universo (Ecosistema) - o que não tem nada de revolucionário no final das contas, é só trocar o 7 pelo 666 - e a filosofia de ambos continua focalizada na "diabolização" dos Deuses anteriores ao seu monoteísmo e no eventual extermínio dos mesmos, suas culturas e seus significados locais.

"Quando cindimos Criador da Criação/Criaturas, separando em dois planos e gerando as inúmeras dicotomias - extinguimos a possibilidade da comunhão ou da reunião com o Criador - seja ele qual for.A partir deste instante temos a instauração dos "Dogmas" indiscutíveis, são indiscutíveis pois não podem ser explicados dentro do Ecosistema/Universo (que abrange um contexto bem amplo)"

Apenas trocar de lado e continuar dentro do mesmo padrão de idéias, não é transcender este padrão. Pelo contrário é reforça-lo. Tanto no "monoteismo do bem" quanto no" monoteismo do mal" - os valores na prática e na vida acabam por darem nos mesmos resultados. Apenastrocar de lado não consite nem em revolução, nem em compreensão e menos ainda na tão falada "transcendência" destes meios nunca alcançada pelas pessoas que alegam sustentarem estes padrões.

O comportamento "recalcado" é apenas um indício claro e simples. Outro ponto é que criador fora da criação, torna impossível a reunião ou comunhão com ele - além de ser um tremendo desafio a um pensamento natural.

Problema-mór é que nestes casos esta repetição mecânica ou o recalque não está consciente para a pessoas que o sustenta. Retornamos ao ponto da "vertigem", "presunção", escapismo, fachadas e afins.Daí lanço uma pergunta para você refletir: Que mito será que fala sobre alguém em uma situação parecida?Que força específica será essa? Em que mito da antiguidade e de que povo será que falam de uma impressão tão parecida?Será que você está disposto a procura-lo? E se encontra-lo será capaz de saber como aplaca-lo ou saciá-lo? E depois será hábil para viver com o que encontrou em sí, nesta busca?

Quando encontramos, nos relacionamos com o que foi encontrado - relacionar-se é um termo muito mais apropriado do que "manipular" o que foi encontrado. Pois ao relacionar-se consigo e com o que carregamos, aprendemos a respeitar tanto nossas capacidades e limites, como aos poucos aprendemos a respeitar terceiros.

Sim, o respeito é um elemento importante, principalmente a questão do respeito por sí e com a forma como vê ou sente o mundo - penso que este é o único "bem" que realmente temos por toda a vida. Cultiva-lo e sustentá-lo é nossa senda, na Subcultura chamam este processo de "Awakening" (Despertando). Onde aprendemos a segurar gentilmente a "boca do leão" com nossas mãos delicadas sem esforços e sem sacrifícios...

Quem se relaciona, aos poucos compreende a gigantesca teia da vida. A imposição, a manipulação são elementos bruscos que apenas atraem de volta - trancos difíceis de segurar ou de lidar confortavelmente. A imposição ou a manipulação não são exatamente sinônimos do respeitar-se ou respeitar com quem se relaciona.E, cada ato tem consequência e sequenciamento, mesmo quando não percebido ou inconsciente.A manipulação e a imposição baseiam-se na tensão e no encouraçamento ou ainda na fachada - gasto muito maior de energia e desgaste físico muito maior. "Imposição" não significa exatamente conquistar o "respeito".

Dentro deste padrão de "impor" não se conquista um "respeito" e em linhas bem amplas, acabamos voltando para a questão deste texto - quando pessoas são obrigadas a tomarem parte daquilo que não querem e suas escolhas e reações para expressarem a discordância.

Logo, vale reforçar que:


1) Expressar uma discordância não requer vincular-se ao lado do opositor daquilo que discorda.

2) Expressar uma discordância não requer vincular-se ou tornar-se alternativo ao que discorda.

Na primeira opção a pessoa continua dentro e amarrada ao mesmo sistema que desejava desvincular-se.

Na segunda opção, entrar em algo alternativo, apenas por discordar do anterior - dificulta bastante a compreensão ou assimilação, indentificação ou senso de pertencimento com a nova vinculação escolhida.

Não deveríamos tomar ou assumir escolhas apenas para "confrontar" ou "vingar-se" de uma escolha ou vinculação anterior; Confrontar, Vingar-se são partes naturais e orgânicas que todos temos em maior ou menor grau - isso é absolutamente normal. Mas são apenas partes, temos outras partes pouco conhecidas e capacidade de reconhecê-las também ^^

Mas para fazê-lo precisamos explorar nosso "lado noturno" pessoal - e desconhecido... Quem segura o tranco?

"Alternativo" é sair de um "sistema", reconhecer os ranços que ficaram dele e trabalhar internamente para entende-los, integra-los e refrescar-se em uma outra "via" mais orgânica e libertária por assim dizer.É uma via mais trabalhosa, dolorida e vem a nos expor e revelar. Uma escolha muito mais sensata do que "não mexer" ou ignorar o que carrega em sí, para fingir ser "puro" ou "intocável. E para poder viver nas prosaicas sombras, é preciso saber de onde vêm a luz e lidar com ela. Com a Luz Negra não é diferente.

Existe uma sutíl equação chamada "jogo-de-poder" que inconscientemente algumas pessoas busca para assim conseguirem realizarem alguma "mudança" em sua vida ou na dos outros.Só que o que esquecem é que como ainda não "dominaram" ou pelo menos entenderam ou reconheceram seus próprios elementos - nada disso vai dar resultado. Ou melhor, apenas dará impressão de resultado e alguma vertigem. E isso é bem problemático ao longo do tempo, porque vai ficar claro e evidente para quem tem mais tempo de vivência e de prática.

Não gosto de generalizar. Sou alguém que conversa diariamente com um número bem amplo de pessoas em diversas áreas - diurnas e noturnas - percebo alguns padrões de perguntas bem específicos, que pelo menos deveriam serem reconhecidas ou respondidas por você, antes de qualquer escolha mais abrangente na vida; O problema maior nessas questões continua sendo:

- "Eu não quero ser isso";

- "Meu pais/parentes não me entendem ou me obrigam a cultuar algo que não concordo ou não me agrada a identidade e os valores ";

- "Minha parceira/parceiro não dá importância para o que eu me importo";

- "Gostar de pessoas do mesmo sexo é errado"

- "Para mudar o que eu não acho certo no mundo, preciso de algo que não venha de mim?";

- "Quero ser isso ou dizer que sou isso apenas para me vestir diferente de outros";

- "Eu sei que sou muito mais do que isso";

- "Eu sei que posso vir-a-ser muito mais do que sou neste momento e etcs...

Sobre essas questões que sucitei acima, penso que elas são elementos básicos e indispensáveis para serem pensados, imaginados, delineados e até mesmo respondido, antes de se escolher "expor" ou "revelar" sua filiação tanto a uma subcultura, ou ainda a uma cosmovisão mais ampla. É preciso reconhecimento e aceitação com o que se carrega em sí - para aí expressar-se, buscar fontes de aprendizado e etcs.

Do contrário é muito fácil repetir inconscientemente aquilo ao que se deseja tornar-se alternativo. Uso o termo alternativo méramente como referência ao vir-a-ser e tornar-se alternativo e desvincular-se do "sistema" ao qual não encontra pertencimento e sentido - sem precisar contraria-lo e continuar nele.

Afinal, se não quero vínculo, não quero aprimora-lo ou derruba-lo, não precisamos nos envolver - é só mais um "meio" dentre tantos outros.

Este é um processo que leva tempo. E requer inspiração, vontade, criatividade, sensibilidade e também pulso firme - assim como na equitação - para conduzir sua escolha com coerência, transparência e vivencia-la com plenitude.O personagem "Vampiro" dos romances e das lendas, é imortal e tem todo o tempo do universo para aprender a vivenciar e descobrir formas de viver bem consigo através da eternidade.Não somos imortais neste sentido, entretanto, a inspiração do aprender a viver consigo como é e encontrando seus limiares e respeitando seus achados é uma forte lição que podemos absorver para o cotidiano.

Não serão só roupas diferentes, apetrechos exóticos, palavras difíceis, policias da fé alheia, exageros românticos e afins que afirmarão o que você escolhe vir-a-ser. É melhor deixar de lado também a vã idéia de apenas pensar em "parecer diferente e ainda assim único entre todos os diferentes". Apenas "ter" idéia do que se trata ou só "parecer" é insuficiente e imaturo - e quem fica só insuficiente e no imaturo não aguenta as voltas da "roda da vida"

Quando sentimos suas "voltas" sequenciais e initerruptas, vemos que só aprofundando-se e indo em encontro eixo - que é nossa própria história e escolhas de vida, alinhavadas pelo sopro da vida, o sagrado pessoal e os fios das moiras, que teremos êxito.

. . .

Final das contas: Para não precisar frequentar algo que você não concorda ou não curte, você não precisa se tornar "contrário" ou "alternativo" com aquele meio;

É mais simples fazer uma lista detalhada dos "porques" não quer mais ir, debatê-la com coerência, bons argumentos, explicar e falar do que sente e do que experimentou e principalmente respeitar que quem "quer ir" tem todo direito de "querer ir" mas não de impor, obrigar ou violar sua liberdade pessoal e de acreditar no que sentir que deve crer.

- Ainda acredito no diálogo e na argumentação inteligente;

- Não acredito na capacidade de se auto-denegrir ou apresentar-se como vítima e nem como minoria para os outros;

- Acredito que através de nosso relacionamento interior com nossos próprios valores e impressões, encontremos pontes e portas para o sagrado e o imortal; Enquanto isso, aprendemos a viver em uma realidade com mais tempo para curtir do que viver na tensão.

- Acredito que pega igualmente muito mal, repetir o padrão de roubar mitos, práticas, identidades, padrões do Neopaganismo sem assumir o Neopaganismo e usar tudo isso apenas para reafirmar monoteísmos do bem e do mal - ou ainda prosseguir com fantasias de tentar ser um personagem do ficcional- como infelizmente ainda vemos ao longo de nossa Subcultura. Ato infelizmente corrente e picaretesco de algumas proclamadas lideranças dos EUA e Europa.


*Agradeço pela colaboração e dedico este texto respeitósamente aos meus leitores e participantes da Rede Vampyrica: Sophia, Simone, Stefano, André O., Lyam, Aeternus, Isiliél, Madame Russalka Artibeus e Lady Agatha Daae.



[o conteúdo deste texto pode ser ampliado e revisado com sua colaboração através do mail: officinavampyrica@yahoo.com.br ]


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