Os japoneses os chamavam de kappa. Os árabes, de alghul. Os chineses temiam sobretudo o kiang shi. Em comum, todas essas criaturas eram vampiros. O vampiro é um ser universal, parte do repertório de civilizações de todo mundo - dos indianos aos maias, dos bantos africanos aos aborígenes australianos.
"Que os mortos possam voltar para afligir os vivos é uma crença que se perde na noite dos tempos. E raramente os fantasmas são dotados de boas intenções", diz Claude Lecouteux, autor de histórias dos vampiros - Autópsia de um mito e professor de literatura medieval na universidade de Sorbonne, em Paris, França.
E o que era exatamente um vampiro?
Independentemente da cor da pele ou do comprimento do cabelo,era um morto vivo.Tal como os fantasmas,assombrava os vivos.Ao contrário daqueles - por definição incorpóreos - era feito de carne e osso. Saía do túmulo, preferencialmente à noite, e estrangulava ou sugava o sangue de suas vítimas - homens, mulheres,crianças,e às vezes até vacas e cachorros. Nem sempre tinha aparência humana, podendo adotar formas animais (um cão,um cavalo, um corvo, um morcego) ou vegetais (uma moita de urtiga). E mais: bichos perfeitamente saudáveis também podiam, do dia para a noite, tornar-se vampiros.
Para entender o vampiro, é preciso primeiro comprender o mundo dos nossos ancestrais.Até o fim da Idade Média, ninguem cogitava uma explicação racional ou cientifica para "mortos" que voltavam à vida ou defuntos naturalmente mumificados.Ressureições miraculosas ou diabólicas eram quase cotidianas. Segundo os cronistas da época, santos voltavam depois da morte para operar milagres,como santa Liduvina de Haia,em 1433, o seu corpo não apodrecia , como ocorreu com santa Catarina de Bolonia, em 1463.Isso aumentava o fervor popular.Já os vampiros saíam do seu túmulo para espalhar o terror. Seu corpo se recusava igualmente a apodrecer. Alguns, do sexo masculino,eram encontrados com o pênis em ereção dentro do caixão.Inteiramente nus,pois comiam a sua mortalha. Num caso narrado por um monge alemão do século 12, um vampiro estuprou fiéis dentro de uma igreja - moças e anciãs.Esses detalhes obcenos chocavam o homem desde a Antiguidade.
Para o homem medieval, explicar o vampirismo era simples: Diabolus simia Dei. Traduzindo:era uma forma de Satã imitar Deus. As maldades e estripulias do vampiro eram o equivalente maligno dos milagres dos santos medievais.Nesse clima, até Martinho Lutero teve de se ver frente a um caso de vampirismo, em princípios do século 16, na cidade alemã de Wittenberg. Sua resposta ao problema, é claro, foi teológica: "Se o povo não acreditasse em tais coisas, isso não lhes causaria mal algum, pois se trata de uma prestigitação diabólica ". Depois, ao que consta, Lutero orou ao lado do túmulo do suposto vampiro,que nunca mais importunou a cidade.
Vampiros também tinham o poder de tomar outras formas que não a sua original em vida. Muitos se transfiguravam em ratos, morcegos, mas também em mulheres sedutoras. Na Grécia do ano 217, o filósofo Apolônio de Tiana teria desmascarado a noiva do amigo Mênipo em plena festa de casamento: ela seria uma empusa, denominação dada às belas sanguessugas de maridos incautos. A noiva apresentava traços inequívocos de um vampiro (segundo os critérios da Grécia antiga): a fixidez das pupilas e o medo ao manjericão, planta tida como mágica. Desmascarada, a empusa atirou-se ao mar, e seu corpo nunca foi encontrado.
Ainda sobre vampiras casamenteiras: na China do século 9 surgiram duas noivas exatamente iguais em uma cerimônia. Uma delas era um kiang shi. A noiva verdadeira, subindo nas tamancas, convidou a impostora para resolverem o assunto numa sala adjunta ao salão principal. Má idéia. Quando as duas entraram no recinto fechado, os convidados ouviram um grito horrendo. Acorrendo ao local, descobriram, para terror geral, a noiva morta, tendo ao seu lado um assustador pássaro negro, que, voraz, bebia o seu sangue e bicava as suas vísceras. Muitos kiang shi possuíam longas cabeleiras esverdeadas ou esbranquiçadas, fruto da ação de fungos nos caixões. Já os vampiros femininos da Arábia tinham cabelos negros belos e sedosos. Na Arábia, as rotas comerciais para a China ou para a Síria eram infestadas de alghuls, os traiçoeiros vampiros do deserto, que inspiraram até As Mil e Uma Noites.
E por que existiam os vampiros? Para os chineses, o homem tinha uma alma superior (hun) e outra inferior (p'o). Os restos mortais, quando intactos, podiam ser tomados integralmente pela parte baixa do ser. Numa reação alquímica com o sol ou a lua, o cadáver era animado de volta à vida - compreensivelmente, com as piores intenções possíveis. Na Europa medieval, todavia, tudo girava em torno da questão moral: quem morria em pecado grave ou ia para o inferno ou ficava preso a esta vida sob uma forma degradante, como a dos vampiros.
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