O vampirismo clássico nem sempre foi estranho ao sistema da FEB. Originalmente foi uma parte subterrânea da doutrina contida em livros como o Romance de uma Rainha (La reine Hotasou), ditado pelo espírito J. W. Rochester à médium Wera Krijanowski, cujos direitos foram comprados pela FEB em 1953.
O autor (o espírito) explicação a causa do fenômeno pela teoria da reencarnação. Alega que o entre evolui do reino mineral ao vegetal e do vegetal ao animal, passando dos animais inferiores ao Homo sapiens que “apenas subiu um degrau na escala social da Criação”, esquecendo-se que “foi o que são agora esses irmãos inferiores”. Resulta daí que somos uma espécie de cebola com diversas camadas de experiência obtidas onde, no centro, dorme os restos daquilo que foi uma pomba, um lobo, um esquilo ou outro bicho qualquer. Quando alguém evolui de um Desmodus rotundus (o morcego vampiro), Hirudínea (sanguessuga) ou outro hematófago similar acaba herdando um instinto animal que se traduz no desejo por sangue. Em vida, os ex-hematófagos podem ou não se transformar em “vampiros inconscientes”, caso em que “o instinto voraz, motivado pela composição do seu perispírito, manifesta-se inconscientemente, por um fluído acre e devorante que exalam, e absorve as forças vitais dos que o cercam e, por assim dizer, os devora”. Em seu redor tudo se torna fraco, doentio, e apenas eles, vampiros, gozam saúde florescente, “mas, não se lhes pode imputar o mal da destruição de seus próximos, pois a força de que fazem uso é inconsciente”.
Quando um vampiro deste porte passa a ter consciência do que faz e decide livremente aprimorar suas técnicas até o limite pode ou não se converter no outro tipo sensivelmente mais raro. No romance histórico de J. W. Rochester o sacerdote egípcio Heremseb abusa do sangue humano para controlar seus instintos.
Conseqüentemente, “o veneno com o qual voluntariamente mergulhara em letargia tinha impedido a ruptura dos laços do perispírito, e, por todas estas circunstâncias reunidas tornara-se vampiro”. O corpo é aprisionado numa espécie de estado cataléptico perpétuo até que alguém ou alguma coisa o destrua. O espírito se projeta em busca de alimento e absorve o sangue alheio. Isso sustenta a subsistência do redivivo. Acrescenta também ponderações sobre a influência lunar e especulações sobre se um espécime pode sair da prisão por apport. Diz o livro:
"Falar seriamente em vampirismo, em nossa época positiva, não é fácil tarefa. A ciência oficial, que apenas quer conhecer o que o bisturi pode sondar, nega a existência dos vampiros, e os fatos indiscutíveis ocorridos em diferentes países, têm sido vituperados, negados ou silenciados, e bem assim outros fenômenos não menos positivos, os quais apesar disso, se impõem pouco a pouco, á atenção dos sábios, porque o fato é um argumento brutal que não se pode eternamente suprimir.
Dito isto, creio do meu dever explicar o melhor que possa, aos meus leitores espíritas, o fenômeno do vampirismo, pouco aprofundado ainda, se bem que sendo um fato natural sempre existiu, tanto na época de Hatasu quanto nos tempos modernos."
Tendo em vista a tenacidade com que os instintos do animal se conservam no homem, este hábito, esta necessidade de sangue, permanece em estado latente na criatura, e se a educação, as circunstâncias, a compreensão do mal não levarem o homem a dominar o instinto sanguinário, que ainda vibra em seu perispírito, a necessidade bestial desponta e cria seres do gênero dos sugadores de sangue da Índia, os quais são muito conhecidos, para que se possa negar a sua existência. Mas, ninguém tem procurado aprofundar o que pôde inspirar a essa seita o rito selvagem que ela acoberta com um motivo religioso, quando tal origem tem raiz em um estado particular do perispírito, adquirido pelo ser em suas existências vegetais e animais.
Em conseqüência de diferentes causas, tais o terror, comoção moral, certo veneno, asfixia, semelhantes seres caem em um estado particular de letargia, com todas as aparências da morte, e são enterradas como se houvessem falecido. Um despertar em condições normais não se produz para essas entidades especiais, e a maior parte perece; mas, ás vezes, em condições favoráveis, tais cadáveres aparentes aguardam apenas o clarão da Lua para despertar, sob influência da sua luz, para uma sinistra atividade… E porque o corpo, ainda preso ao perispírito, age numa certa medida e a intervalos mais ou menos longos, tem necessidade de se reabastecer, o vampiro entrega-se á pesquisa de uma vitima humana, cujo sangue quente, sobrecarregado de fluído vital, dar-lhe á a nutrição indispensável ás condições de existência e ao mesmo tempo satisfará os velhos apetites.
Nos países frios, o vampirismo ocorre muito raramente; nos mais aproximados do Equador, na Índia principalmente, tem sua verdadeira pátria, terra misteriosa e estranha da qual muito pouco se sondam os enigmas. Quem suspeita por exemplo, de que existam por ali muitos vivos que se alimentam, quase exclusivamente, da força vital dos seres que subjugaram e dos quais toda existência se escoa num êxtase embrutecido, dos quais todas as funções vitais e intelectuais são suspensas, porque um outro se nutre da força que as devia sustentar? Esses pobres entes são olhados com espanto e desdém, alvos de motejos, mas ninguém desconfia que sejam as vítimas dum vampirismo cultivado por uma categoria de homens, sábios, aliás.
Como Rochester citou reiteradamente certas praticas orientais creio que compensa informar que o vetalā é o equivalente indiano do vampiro clássico cujos relatos começaram a circundar na Europa a partir de 1732. O Bardo Thödul alega que quando o homem não espiritualizado percebe-se morto vê a própria casa, os criados, parentes, o cadáver, e fica confuso, “oprimido por intenso pesar”. Então vaga inutilmente “de um lado para outro procurando um corpo” como se pudesse trocar de corpos como antes trocava de roupas. Em nota ao livro sagrado W. Y. Evans-Wentz acrescenta que os tibetanos crêem que “se a tentativa for bem-sucedida, origina-se um vampiro”. Histórias de homens santos que morreram voluntariamente e voltaram à vida são facilmente encontradas na Índia e no Tibet. Um dos casos mais recentes foi o de Sai Baba, que teria pedido a seu discípulo Mahalsapathy para tomar conta de seu corpo durante três dias enquanto seu espírito viajaria “pra Alá”. Dizem que sua respiração diminuiu até cessar e a circulação se interrompeu. Dado como morto, as autoridades tentaram fazer Mahalsapathy cumprir uma lei da Índia que obriga a cremação ou enterro dos corpos em 24 horas após a morte, mas ele se recusou. No terceiro dia a respiração retornou e Sai Baba abriu os olhos. A literatura devocional fala igualmente do vetāla (em sânscrito) ou Baital (tibetano), recém-desencarnado humano descrito por Isabel Burton como “um gigantesco morcego, vampiro ou espírito maligno que habitava e animava cadáveres”. Posteriormente o budismo retratou apenas seu aspecto negativo. De acordo com o Sutra de Lótus (Hokkekyo) aquele que desejar subjugar o vetāla deve pronunciar essas palavras de poder (dharanis, vulgo mantras):
jvale mahajvale ukke mukke ade adavati nritye nrityavati ittini
vittini chittini nrityani nrityakati
Um livro póstumo, Glossário Teosófico, publicado em nome de Blavatsky pela Sociedade Teosófica de Londres, diz que o vetāla pode ser controlado pelos que alcançam a vetāla siddhi, técnica yogi definida como “uma prática de feitiçaria” que pretende possuir “meios de alcançar poder sobre os vivos através de magia negra, encantamentos e cerimônias executadas sobre um corpo humano morto, durante cuja operação o cadáver é profanado”. Um número de fontes de época ainda preserva detalhes da ritualística, permitindo a reconstrução da cerimônia de iniciação, concebida como rito assessório de uma forma extinta de culto. Era realizada apenas durante a noite de segunda-feira, no décimo quarto dia da metade escura do mês de bhadra (agosto), sendo o devoto guiado por um vetāla ou uma dakini (bruxa). No Kathā-saritsāgara tal dom foi aplicado em causas justas como quando o rei Trivikramasena “obteve a soberania sobre os Vidyadharas graças a um vetāla”. De acordo com Louis Renou, “os vetālas aparecem na literatura desde o Harivamsa; fazem parte da decoração semidemoníaca do tantrismo sivaíta, de onde passaram ao tantrismo budista”. No Vetālapancavimsatikā de Somadeva (século XI) o vetāla recebe os títulos de “mestre em Ioga”, “mestre dos poderes sobrenaturais”, etc. O Baital-Pachisi fala de um jovem injustiçado que reentrou no próprio corpo para ajudar o rei Vikram a executar seu algoz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário