17 de abril de 2013
Ann Radcliffe
Nascida em Londres, em 9 de julho de 1764, Ann Ward, é considerada a precursora do estilo literário conhecido como "horror gótico". As informações biográficas sobre Ann esmaecem na espessa neblina dos anos e sua história torna-se quase uma lenda pautada por dados questionáveis. Dessa forma, não apenas a obra, mas principalmente, a vida da "senhora Radcliffe" é alvo das interrogações.
Ann era filha única do casal de comerciantes, Ann Oates e William Ward, sendo que sua mãe tinha trinta e oito anos ao dar à luz. Quando tinha entre sete e oito anos de idade, Ann foi morar com o tio, Thomas Bentley. Por conviver com pessoas muito mais velhas, Ann refugiava-se lendo romances e poesias. Na juventude, estudou Direito e em 1784 conheceu o futuro marido. Casou-se aos 23 anos, em 1787, com William Radcliffe, editor do "The Gazetteer" e proprietário do "English Chronicle", de quem herdou o sobrenome e teve um matrimônio feliz.
Num momento da sociedade onde a genealogia era mais importante que o caráter, principalmente entre as mulheres, Ann Ward Radcliffe escrevia por prazer, sem objetivar lucro, e seu esposo, que dedicava-se intensamente ao trabalho, estimulava-lhe a atividade literária. Nesta época, qualquer atividade cultural era quase essencial para preencher os dias das jovens senhoras casadas que tinham apenas os criados sob o comando.
Os primeiros anos de casamento foram culturalmente muito ativos, o casal Radcliffe freqüentava óperas, teatro e exposições de arte. Ann, como as outras mulheres, via-se pressionada em manter a aparência social de uma típica mulher da classe média inglesa. Assim, ocupava-se com cães e música, lia e escrevia muito, e apreciava as viagens com William.
A primeira publicação ocorreu em 1789. The Castles of Athlin and Dunbayne obteve grande repercussão e tornou-se o rumo do que abordaria em sua carreira literária: jovens heroínas em apuros sob o teto dos sombrios castelos medievais. Nos dois anos seguintes, a fórmula bem sucedia foi reproduzida em A Sicilian Romance e The Romance of the Forest. Porém, as maiores obras de sua vida ainda estavam por vir. Em 1794 foi publicado The Mysteries of Udolpho e três anos mais tarde, The Italian. Estes romances são os principais responsáveis pela imortalidade da obra de Ann Radcliffe.
Seus trabalhos eram muito consumidos entre as classes média e alta da Inglaterra e de crescente popularidade entre as jovens senhoras casadas, que, provavelmente, espelhavam em Ann um protótipo de mulher talentosa e libertária que conquistava um precioso espaço em meio a uma comunidade masculinizada. Tanto, que para publicar o romance The Mysteries of Udolpho, Ann recebeu £500 (quinhentas libras) pelo contrato; um verdadeiro ultraje à classe literária, predominantemente, masculina. Os críticos contemporâneos a compararam a autores como, Milton e Shakespeare. Sendo que suas duas primeiras publicações eram consideradas o "Hamlet de Shakespeare". O romancista escocês, Walter Scott, considerava Ann Radcliffe "a primeira poetisa de ficção romântica".
A imensa popularidade de Ann Radcliffe deu origem a um debate extenso. The Italian era considerado antipatriótico. Outros trabalhos foram acusados de promover o republicanismo e igualitarismo. Alguns críticos acusavam-na de inserir referências ao lesbianismo e incesto, outros consideravam que suas obras eram místicas e, de certa forma, soavam como "profecias". William Radcliffe viu-se constrangido em meio ao clamor público que a obra de sua esposa criara, e provavelmente, desencorajou-a a continuar publicando os romances. Assim, The Italian, de 1797, foi o último trabalho publicado em vida.
A partir deste momento e até 1801, o casal Radcliffe fez diversas viagens. Ann e William visitaram o castelo de Rochester, Feversham, Catedral de Canterbury, Castelo de Arundel, Ilha de Wight, entre outros. Nesse mesmo período, Ann abalou-se profundamente com as mortes da tia e dos pais. Sua mãe deixou-lhe um testamento no qual os bens eram de propriedade exclusiva de Ann, e seu marido, William, não tinha autonomia para interceder nos negócios.
Entre 1802 e 1807, o casal continuou viajando e visitaram o Castelo de Warwick, Blenheim, e Knole. Neste período, Ann escreveu o romance Gaston Blondeville, que era totalmente oposto ao seu estilo consagrado e seria apenas uma tentativa de retornar ao mundo literário de uma forma menos polêmica e socialmente aceitável. Por motivos desconhecidos, a publicação de Gaston Blondeville foi cancelada diversas vezes.
As incursões por diversos pontos da Inglaterra e região continuaram nos anos seguintes para Ann e William. Estando afastada do convívio social, criaram-se vários boatos de que Ann havia morrido em acidentes durante as caminhadas ou escaladas que praticava normalmente em sua viagens. Este argumento foi usado muitas vezes para promover o turismo nos locais onde Ann teria acidentado-se fatalmente.
Ainda, dizia-se que ela comia carne de porco e cenouras cruas, momentos antes de deitar-se para dormir, para que a indigestão proporcionasse pesadelos e, conseqüentemente, a imaginação necessária para enredo de seus livros. Criavam-se rumores que havia cometido suicídio; ou havia tornado-se vítima da assombração dos personagens que criava, enlouquecido e internado-se num sanatório. Na verdade, neste período, Ann hospedou-se em diversas cidades em busca de ar puro para tratar de uma doença pulmonar, possivelmente a tuberculose, que lhe abatera.
Os últimos anos de sua vida foram debilitados pela má saúde física ocasionada pela asma que progredia incessante. A saúde mental também foi deteriorando-se e Ann já não era tão lúcida. Em 1823 foi para Ramsgate onde morreu, provavelmente, no dia 7 de fevereiro, vítima de problemas respiratórios causados pela pneumonia.
O romance, Gaston Blondeville, foi publicado através da iniciativa de seu marido, em 1826. Logo após a morte de Ann, William Radcliffe casou-se com a empregada e mudaram-se para Versalhes, onde morreu em 1830, deixando uma propriedade significativa à sua nova companheira.
Através do estudo de sua obra, pode-se supor que Ann espelhava em seus personagens, características de sua própria personalidade: senso de rejeição, timidez neurótica, docilidade e afetação. Em seus romances, percebe-se que retratava a própria mãe como uma mulher de meia idade ineficaz; e o pai como um homem ávido e um negociante fracassado. Além disso, outro fator interessante é que a maioria dos protagonistas está à beira da loucura.
Ann escreveu poucas cartas a amigos, e os diários que foram localizados abordam, basicamente, as viagens que fizera ao lado do marido. Porém, se tomarmos como base os fragmentos que foram encontrados, podemos deduzir passagens significativas de sua vida. Os diários não revelam factualmente nenhum contato humano com qualquer outro viajante ou mesmo habitantes dos locais por onde passava; fato que faz crer que Ann era um tanto intimista e avessa ao convívio social. Esses parcos relatos incluem referências muito tristes às mortes dos pais e manifestam uma profunda melancolia e um estado depressivo avançado em seus últimos anos.
Radcliffe influenciou autores como Lord Byron e Allan Poe. No conto, O Retrato Oval, Poe faz uma breve citação: "O castelo que meu criado resolvera arrombar a fim de evitar que eu, gravemente ferido estava, passasse a noite ao relento, era uma dessas construções portenhosas, a um só tempo lúgubre e grandiosa, que há séculos assombram a paisagem dos Apeninos e também povoam a imaginação da senhora Radcliffe".
A trajetória curta e bem sucedida de Ann Radcliffe caracterizou mais que uma tendência literária, mas, principalmente, uma personalidade exposta através da narrativa precisa e instigante. Sua obra é lembrada até hoje pela legião de admiradores que se criou ao longo do tempo, formada não apenas por leitores sedentos de fantasia, mas, principalmente, por autores que seguiram sua tendência de criação, tema e narrativa. Assim, imortaliza-se o legado de talento e ousadia deixado por Ann Radcliffe, há mais de duzentos anos.
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